Durante a primeira infância, nossos cuidadores primários são de imensa importância para nós, pois nossa vida está intimamente ligada à deles. Nós lhe fazemos pedidos; eles, por sua vez, pedem que nos comportemos de certas maneiras, e não de outras, e que aprendamos muitas coisas: a falar sua língua (usando palavra, expressões e gramática não criadas por nós) e a regular nossas necessidades de alimentação, calor, excreção, etc. de acordo com os horários deles. Essas pessoas são nossa fonte primária de atenção e afeição, e é frequente tentarmos conquistar sua aprovação e seu amor, conformando-nos a seus desejos. Quanto melhor satisfizermos suas demandas, maior será a probabilidade de obtermos sua aprovação. Quanto mais completamente satisfizermos seus anseios, mais amor tenderemos a obter deles.
Mas eles nem sempre nos dizem o que querem. Muitas vezes limitam-se a nos dizer o que não querem, e depois nos castigam por nossos erros. Para cair nas suas graças e evitar esse castigo e essa desaprovação, procuramos decifrar suas simpatias, antipatias e anseios: “O que eles querem?” , “O que eles querem de mim?”.
Mesmo quando eles nos dizem o que querem – “Você vai ser advogado quando crescer, ponto final!” – , a mensagem pode não ser tão transparente quanto parece. À parte o fato de que podemos optar por aquiescer a essas vontades ou por nos rebelarmos contra elas, em sinal de protesto, podemos intuir que, embora nossos pais digam (talvez até peçam), na verdade prefeririam outra: que fôssemos algo que eles sempre quiserem ser mas não conseguiram, – ou que não sejamos o que eles sempre quiseram ser mas não conseguiram, porque eles se sentiriam ameaçados por isso, preferindo nos ver como fracassos, ou como “gente comum” feito eles.
Em nossa tentativa de decifrar suas vontades, confrontamo-nos com o fato de que as pessoas nem sempre querem dizer o que dizem, querem o que dizem querer, ou desejam aquilo que pedem. A linguagem humana permite que as pessoas digam uma coisa e pensem outra. Um dos pais pode estar apenas enunciando o que o outro quer ardentemente, e intuímos isso, e nos perguntamos o que ele “realmente quer”.
O desejo de nossos pais torna-se a mola mestra do nosso: queremos saber o que eles querem para melhor satisfazê-los ou para frustrá-los em seus propósitos, descobrir onde nos enquadramos em suas tramas e planos, e encontram um nicho para nós em seu desejo. Queremos ser desejados por eles; como diz Lacan “o desejo do homem é ser desejado pelo Outro” (neste caso, o Outro parental).
É o desejo deles, amiúde bastante opaco ou enigmático, que desperta o nosso: nossa curiosidade, nossa determinação de descobrir certas coisas, de investigar o mundo, de ler e interpretar gestos, ações, tons de voz e conversas que se pretende que fiquem fora do alcance de nossos ouvidos ou além da nossa compreensão. É o desejo deles que nos move, que nos leva a fazer coisas no mundo; ele dá vida ao nosso desejo.
Na tentativa de discernir o desejo deles, descobrimos que certos objetos são cobiçados pelo Outro e aprendemos a querê-lo, nós mesmos, moldando nosso desejo no desejo do Outro. Não só queremos que o desejo do Outro se dirija a nós (queremos ser o objeto, a rigor, o objeto mais importante do desejo do Outro), como também passamos a desejar como o Outro – tomamos os desejos do Outro como nossos.
Quando uma mãe, na frente de sua ilha pequena, expressa admiração por certo ator por sua autoconfiança excessiva e sua abordagem pragmática das mulheres, é provável que a filha incorpore esses atributos à sua imagem de príncipe encantado. Tais atributos, descobertos anos depois durante a análise das fantasias dessa filha, tendem a dar margem a um sentimento de indignação e alienação: “Como pude adotar as fantasias dela?” , “Que coisa repugnante! Nem as minhas fantasias são realmente minhas”.
Embora a assimilação dos desejos do Outro seja um aspecto inevitável da formação do desejo, ela é vivenciada, mais tarde, como uma intromissão ou violação: o Outro fez isso comigo, pôs isso em mim, me fez ser deste jeito, me fez querer isto e não aquilo. Nem o meu desejo é meu.
O desejo do Outra causa o nosso. O que às vezes consideramos mais pessoal e intimo revela-se vindo d outro lugar de uma fonte externa. E não é de uma fonte qualquer: vem justamente dos nossos pais!
Fonte: Fink, Bruce. Introdução clínica à psicanálise lacaniana. Zahar, 2018.
Amanda Garcia Kreyci CRP 06/130484
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