Vergonha e Culpa possuem pontos em comum e divergem em alguns aspectos. Ambas são sentimentos que envolvem questões morais, éticas, valores sociais e regras; servem como reguladores sociais do comportamento humano. Os dois conceitos se relacionam com os conceitos psicanalíticos de narcisismo, Ideal de Ego e Superego. A violação das exigências do Superego resulta em culpa e o não atendimento aos padrões do Ideal de Ego leva à vergonha.
VERGONHA
A vergonha é um sentimento social que surge frente ao olhar do outro, ela é cultural, individual e familiar também. Pode se manifestar como um simples pudor ou em grau mais intenso. Pode ser eventual ou existencial, dependendo da intensidade pode influenciar seriamente a capacidade de interação.
A vergonha surge a partir do momento em que a criança é capaz de perceber-se como um ser diferenciado do outro. É, portanto, a partir do olhar do outro que se constitui a experiência de existir e a percepção do indivíduo em relação a si mesmo e em relação ao mundo.
Crianças educadas com excesso de crítica e inibição de seus gestos espontâneos podem desenvolver
sentimento de inferioridade e inadequação, passando a se sentirem humilhadas e envergonhadas. Por outro lado, crianças mimadas, criadas com excesso de condescendência tornam-se tiranas, se relacionam de forma onipotente, como se fossem donos da verdade. Uma pessoa “sem vergonha”, não precisa respeitar regras e nem ter consideração pelo outro. É importante ressaltar que não é só em função da vergonha que surge uma personalidade assim, mas também em pessoas maltratadas pela vida. A partir do momento em que alcançam uma posição com mais poder podem perder toda a consideração pelo outro, como forma de revanche, pelo o que a vida lhe negou.
A adolescência marca a ruptura com a identidade infantil, é um período onde se passa por alterações corporais, mental e social, momento em que o indivíduo deve adquirir capacidades para a vida adulta. Nessa fase a vergonha pode abrir caminho para patologias que envolvem a relação do adolescente com o corpo, como anorexia e bulimia.
A vergonha é uma ferida narcísica, que expressa o incomodo de revelar algo sobre si que não deveria ser exposto. O sofrimento do envergonhado se refere a distância que existe entre aquilo que ele pensa que deveria ser e aquilo que ele consegue ser. Logo, a vergonha denuncia a sensação de falha na imagem e fere aquilo que a pessoa gostaria de ser. Quanto maior esse ideal, maior a vergonha. O envergonhado teme se arriscar e errar, e isso o paralisa.
Muitas vezes o a pessoa até quer ser vista, mas não vista demais, por conta disso busca se tornar invisível, na tentativa de esconder qualquer coisa que possa ser considerada imperfeição, por isso procura esconder aquilo que lhe causa vergonha, seja um aspecto físico ou de personalidade.
O envergonhado tem a sensação de que as pessoas podem enxergar seu interior; os outros funcionam como representantes do seu mundo interno. A vergonha projeta no olhar do outro a avaliação que fazemos de nós mesmos. O outro representa sua própria vergonha, no mundo das fantasias o envergonhado tem medo de ser descoberto, e o medo de que o outro o descubra causa vergonha.
A fobia social é o extremo da vergonha. O indivíduo se sente muito exposto e tem pensamentos paranóicos de que todos estão olhando para ele, percebendo como ele é. Esse comportamento também é uma reação narcísica, já que todo mundo se concentra nele. No seu interior o sujeito acredita que teria que estar com características perfeitas e positivas para pode se apresentar ao mundo.
A inveja também pode ocasionar vergonha. Sempre haverá alguém que possui mais ou menos recursos internos que o outro. Se não se admite que existe alguém que pode ir além da sua plenitude, a pessoa pode acabar se isolando por conta da vergonha de não ser assim também. Com isso a pessoa se afasta e esconde sua vergonha e até mesmo sua culpa. A vergonha causada pela inveja pode levar a comportamentos autodestrutivos no indivíduo que não aceita que o outro é diferente dele.
O conteúdo dos aspectos que provocam vergonha varia muito de acordo com a internalização dos valores associados à identidade de cada pessoa e às diferentes culturas. Em algumas culturas uma situação que pode ser vergonhosa na nossa é vista como natural, como o hábito de arrotar depois de comer uma refeição, por exemplo, que é uma forma de dizer que a comida estava gostosa.
A vergonha tem diversas formas de manifestação e de defesa, pois é um sentimento doloroso. Por mais que alguém seja pouco narcísico, por mais que tenha recursos para aceitar as próprias falhas, é claro que todos nós sempre teremos um ideal de imagem a corresponder, para sermos amados, por nós mesmos e pelo outro.
CULPA
Na contemporaneidade a culpa pode “substituir” a vergonha em alguns aspectos. A culpa surge do anseio à perfeição, quanto melhor uma pessoa busca ser, mais crítica será em relação aos seus erros, logo sempre que agir em contradição com seu ideal, se sentirá culpado.
A culpa é uma emoção internalizada com bases nos padrões de educação e valores que alguém recebe, da família e da cultura. Ela surge a partir no momento em que a criança introjeta os padrões e as proibições do meio em que vive. A culpa tem relação com o Superego, instância psíquica que vigia o Eu e impõe critérios, que se não cumpridos causam sofrimento, medo e necessidade de punição.
Até certo ponto a culpa é saudável, pois é necessária para preocupação e respeito com o outro. Quem não tem culpa, não tem noção de outro. Para ter culpa é preciso ter consideração pelo outro, reconhecer que o lesou, e pensar em que medida o mal feito tem condições de ser reparado.
A culpa está relacionada com os atos, ela aparece quando algum ato nosso produz sofrimento no outro. Diferentemente da vergonha, ela não está relacionada com o olhar do outro, mas sim com uma “voz” interna, pela qual cada um mede seus atos, ela surge após a pessoa cometer uma falta que vai contra seus valores individual e cultural. A culpa envolve punição, mesmo que ninguém saiba o que você fez, a sua consciente te acusa.
A culpa tem reparação, atos são perdoáveis, por isso a culpa pode ser reparada através do arrependimento. Publicamente falando, perante a lei ou a sociedade, o indivíduo deve ser punido antes de ser absolvido, mas há uma diferença entre sentir-se culpado de fato e ser considerado culpado, pois a pessoa pode ser considerada culpada, mas não se importar com as consequências de seus atos. O contrário também pode acontecer, a pessoa comete o delito sem ninguém saber e desenvolve o sentimento interno de culpa.
Quando alguém sente culpa o primeiro impulso é de reparar o mal que foi feito, mas a vergonha diz respeito ao que se é, e a única maneira de modificar a vergonha é ser uma pessoa diferente, e isso não costuma ser nada fácil, mas para quem estiver disposto a se transformar, a psicoterapia pode ajudar.
Amanda Garcia KreyciCRP 06/130484
Atenção: As informações contidas neste site têm caráter informativo. Não substituem o processo de psicoterapia e não devem ser utilizadas para realizar auto-diagnóstico.
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